SEM CÍLIOS E SEM DESTINO

 

Sem cílios e sem destino

No ar sem proteção

Espantalho de beira-córrego, os pássaros

Pequenos não se intimidam ... Passam.

 

Aos grandes arrozais. Invisíveis quase

Flutuando no espaço

Vagando ao léu. Esfiapado e desfeito

Um trapo cuspido

 

No lodo. Enxugando a lama, será no

Clarear da aurora?

Se tivesse ainda meu canivetinho

De cabo de madrepérola me

Recordaria de tudo daquele tempo.

Veio de presente numa caixa de vinho

 

Do Porto. Não dão mais. Era

Um pouco de felicidade embrulhada

entre as garrafas.

 

Depois tive muitos canivetes

De verdade: apenas cortavam ...

O meu vivia: gostava de admirá-lo

Conversávamos durante horas e horas

 

Onde estará? Transformara-se?

Seria a estrela aqui perto do

Mar? Ou o foguete que foi à lua?

Meu canivetinho, meu canivetinho ...

 

O zunir dos postes telefônicos nas estradas

Perdidas, no silêncio completo e

Eterno, limpa minha imaginação e

Clareia meus olhos; espremido dentro de um

Tronco – salvei-me na casa das arapuás

Engoli o mel e saí. Rasteiras as

Sombras das nuvens me perseguiam.

Minha alma saiu de mim correndo

O céu jogou-lhe uma pedrada

Ela voltou fechei-a em meu baú

Onde está aquele eu que ficou no

Povoado? Vi-o uma vez todo de preto

E camisa vermelha – corri par ele

A locomotiva interferiu fechando a passagem; nunca mais o vi

 

O vento veio fazer-me companhia fomos

ver as águas – as do meu

córrego um peixe velho me reconheceu

Sorriu – mas era a lua.

 

Direi ao fogo para te encantar

Meus olhos deram-me de presente

Não sairão da estrada para te espiar

Vejo-te sempre.

 

Pássaros ligeiros de par em par

O firmamento de azul vão desenhando

Olho sem te ver, não canso de te espiar

Os pássaros te estão a procurar

 

Nas sombrias árvores, folhas em quantidade

A mais dourada rodopia as outras não se movem

Olho pensando te ver, é realidade?

Meu sonho e sobem

 

A tristeza secou-me

Deixado-me sem ação

Sozinho no relento

As Três Marias correm ligeiras e esvaziam o chão

 

Onde irão lobisomem já passou

Seria mula-sem-cabeça?

O fantasma a espada de granito quebrou

Os espantalhos lutam para que o arroz cresça

 

Entoava um salmo o peixe-anjo. Vi-o

de azul voava ligeiro

Assisti uma grande

árvore dando concerto e vi as areias dançando.

As águas do mar chorando e se debatendo. Ouvi as

nuvens conversarem. O sol era mais

luminoso nesse dia

Amanheci sentado na escada de Jacob. Pedi

ao vento para levar-me a Bercheba.

Fomos num instante. Encontrei Abraão.

 

Vi um galo azul, azul. Estava tão longe e se

Podia ver, num segundo desapareceu, apenas o

Seu canto ficou em meu ouvido. Pensei que já

Seria madrugada. Não, não era madrugada.

Escurecia e a lua mal despontava.

Foi arte de feiticeira para me encantar, mas

meus anjos me guardavam. Encheram a orla do

mar de despachos. Milhares de velas acesas

Na noite triste vinha do mar a brisa com cheiro

de morte ...

 

E o vento não veio. Vi o moinho

Chorar e os cavalos ao seu redor

Com suas longas crinas esvoaçando

Em disparada trocavam de direção

Nem moinho nem lua porque sem

Vento nem sol. A chuva chorava

Com pena do moinho, na lua

Ninguém pensou. Estava muito

Longe ... o espaço estava cheio

De almas impedindo a visibilidade

Das estrelas e dos anjos.

Quanto azul ...

 

A cavalo fui por um caminho.

Olhava o campo a se perder de vista,

Plantações ordenadas, pontilhadas de casebres,

O córrego serpenteando nos acompanhava.

O ar resinoso das montanhas e matas

Era delicioso. Íamos tranqüilos.

De imprevisto, passou em nossa frente

A mula-sem-cabeça e num instante

Nuvens negras ameaçando e desencadeando

Temporal: relâmpagos trovões e

Raios decepando árvores. O vento curvava

As árvores, levando as folhas

Par a frente. Encharcados e frementes,

Olhávamos o espetáculo em pleno

Descampado. Onde andará aquele temporal?

 

De aspecto diferente não se mostra

Mais, nem nos dias de sol

Nem nos dias sombrios.

Maria de Nazaré

caminha para Belém passando Cana.

O céu de madrepérola da terra dos santos

acompanha a inquietude também

 

Maria de Nazaré

Com sua passagem as flores ficarão

mais belas

Apareces em toda parte

nas estradas, no mar, muitas vezes

bem perto.

Silenciosa, pousas teu olhar em mim

Meu pensamento gira

Em torno de ti.

 

O vento soprou o dia apagando-o

Na escuridão da noite começou

Aparecer a lua como um sol grave.

As estrelas acordaram abrindo os olhos.

 

Ajudando a clarear os caminhos

Saber onde. As águas dos córregos

Vão cansadas do longo percurso

 

A terra velha e enferma sorve

O escasso líquido ... em

Alguns trechos o solo estava morto

Homem simples, homens máquinas

 

Dão duro e morrem para mantê-las

Vivas. Nuvens amigas de vez em

Quando os ajudavam. Há semelhança

Entre eles. Aquele lavrador parecia

 

O velho pé de café, outro escalavrado como a terra da

Fazenda

Pobres criaturas, pobres lavouras

Um dia plantaremos sementes desta gente de paz.