VIAJANTE SOLITÁRIO

 

A amada é figura existente?

Facilitei como se faz na infância

Para mostrar coragem ... Caminhei

Pelos montes e nas florestas virgens

Respirei fundo a brisa da aurora

Olhei as pedras e as palmeiras

O tatu e a seriema. Continuamos

Até a fazenda da fartura e sempre

De mãos dadas atravessamos os

Espaços indo parar em Canaã

Gritei por Jesus! ...

Quis comentar e estava só.

 

Largado pelos furacões

E pelas chuvas de pedra

Estou na

Estrada. Os espinhos fogem.

 

As noites mal-assombradas

Vivem em mim. Meu sangue

Caminha lento e lento ...

 

Piso a terra misturada e já

Não vejo as nuvens e nem o arco-íris

O nada sumiu. Nem me

Mordem as formigas.

 

Será ainda o mar aí em frente?

A erva escapole vendo-me

Nem a tristeza nem a desgraça

Como companheiras

 

Onde foram os escuros?

 

Mulas-sem-cabeça povoando

O mundo. Enchendo-o

E o espaço continua vazio ...

 

Renegados como leprosos

Vagamos:

Perdidos pelas estradas ...

 

O escuro permanente ...

No céu não haverá piedade?

A desgraça cai como pedra dura ...

 

Não me quiseram, enjeitaram

Minhas palavras ...

Serei um dos meus espantalhos?

Afugento os caminhantes?

Não eles se afugentam. Não

Entendem a lua

Não sabem da poesia

Só não estou, mesmo não estando

Comigo. Converso com o vento e a

Tempestade.

De noite ou dia – verei as sombras

E dormirei em paz. Tenho uma

Camisa. Meu leito é embaixo das

Árvores. Tranqüilo ouço o rumorejar

Das folhas secas ...

 

Não serei nuvem e nem concha do mar

Ganhei o que havia de melhor

Viajei muito por terra e pelas águas

Fui dos escolhidos olhava o céu

 

Como dono de todas as estrelas

Habituei-me com os animais seus

Olhares mansos

Parecia nos entendermos

 

Contava-lhes as histórias aprendidas

Com Dona Iria. Tive muitos cavalos

Amarelos e alguns zebus azuis, meus

Cabritinhos brancos nunca mais os verei

 

Agora acordado vejo: Levaram-me

Tudo. Por que no fim?

Sou mourão de cerca

Morto parecendo vivo por estar ligado aos outros.

 

Como foi possível sobreviver

A tantas lutas. O desânimo

Dá impressão de serenidade.

 

Atravesso a

dura vida

Desmontam-me e assisto

Sem nada fazer.

 

O mar verde e o vento ligeiro

Pensarão Meus olhos não

pousam em parte alguma.

Esvoaço como pássaro ferido

Desde a infância sou perseguido

e sempre escapuli.

 

Agora trago-as dentro de mim

Desânimo – a libertação

Seria com a morte

Como é difícil morrer ...

 

Mar opaco de cor

fria e escura semelhante

ao pantanal

Navegamos sobre troncos petrificados?

Ao contato do navio

Revolta-se agita-se e espalha

Sua espuma raivosa como um cão louco

Triste mar

terminou e não tem aonde ir. Às vezes

parece sufocado. Nem as chuvas querem

sua água morta. Pobre mar ...

 

Chafarizes de fogo incendiavam o

Espaço. As águas espavoridas fugiam

 

O céu todo salpicado de rosa

Chora. Será dia, noite ou morte?

 

O frio corre atrás de mim

Não sei por que se apressa

 

Já estou todo gelado ...

Os cumprimentos corteses tão

Alegres escapuliram. Quem

Saberá para onde foram?

\

Minha vida minha vida vai correndo

Correndo tanto, nem mais posso

Acompanhá-la. Naquele tempo,

Mais longe ainda, olhava o céu

Estrelado. Pedia a Deus par morrer

Seria anjo: sete anos. Tudo

Corre nem tempo de ver ...

Amei a primeira que passava

Não vivi. Baixarei à sepultura

Solitário. Nada ficará ... Não saberei

Dos amigos e nem da família.

 

A morte será colorida?

Qual a cor do outro lado?

 

Quando ainda a força estava

Em mim, quando suave como

Um pedreiro sobre andaimes

Enchendo os muros do que não via e via

 

Espantalho espantava as angústias,

A maldição e o silêncio. Agora

Empoeirado e só

Têm-me prisioneiro.

 

A esperança escapuliu

E a morte de propósito espia-me

Rindo deixando o tempo escorrer

Como um córrego sem fim ...

 

PARIS, outubro de 1961